plural

PLURAL: os textos de Juliana Petermann e Eni Celidonio

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Retrato da Fome
Juliana Petermann 
Professora universitária

style="width: 25%; float: right;" data-filename="retriever">

Tomate. Leite. Frutas. Carne. Óleo de soja. Abobrinha. Cebola. Feijão. Arroz. A comida no prato brasileiro ficou até 50% mais cara em alguns itens. A sugestão é trocar o arroz por macarrão. Tal qual trocar o pão por brioches. Mas e o leite, as frutas, a carne, o óleo de soja, o feijão, a abobrinha e a cebola? Trocamos pelo quê? O aumento de preços é brutal e a sensação de que, a cada ida ao mercado, deixamos mais por lá, é real. E se você também se preocupa com o preço das coisas e com a sua alimentação, vou lhe apresentar outros dados, que não devem retirar a nossa indignação com o preço dos alimentos, mas quero aproveitar que estamos sensíveis a esse assunto para propor outra reflexão.

Um levantamento feito entre junho de 2017 e julho de 2018 revela uma piora significativa na alimentação das famílias brasileiras. O retrato da fome no Brasil é o seguinte: de acordo com o IBGE, cerca de 10,3 milhões de pessoas vivem em situação de insegurança alimentar grave. O que significa isso? Nesses casos, a fome passa a ser uma experiência vivida no lar, inclusive entre crianças. Esse quadro é agravado pelos seguintes elementos: a quantidade de lares com comida suficiente atinge patamar mínimo em 15 anos. A fome é maior nas áreas rurais. 50% das crianças no país, com até cinco anos, têm restrição no acesso a uma alimentação de qualidade. Embora os dados tenham sido coletados até 2018, indicam que temos agora, em um contexto pandêmico, um possível cenário ainda mais grave.

PRATO VAZIO

Eu não sei em vocês, mas em mim esse retrato de fome no nosso país me provoca uma dor que sinto como se fosse física. Dói saber sobre o aumento do preço dos alimentos no prato, mas dói ainda mais saber que o prato está vazio em muitas casas. E precisa doer mesmo. Vivemos em um país com um território enorme, natureza pujante - que está sendo consumida dia a dia, é verdade - mas que não consegue prover comida ao seu povo.  

Vivemos em um país em que o principal líder político considera que "falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira". O que parece mentira é a nossa capacidade de ignorar que pessoas sofram e morram de fome no nosso país. No livro Diante da dor dos outros, a autora Susan Sontag retoma Virginia Woolf quando ela diz que não somos monstros, mas membros de uma classe instruída, porém, incapaz de imaginar e de ter empatia, incapaz de reter na mente uma realidade diferente da nossa. Incapazes de reter na mente o retrato da fome no nosso país.   

Bagé, lá vou eu!
Eni Celidonio 
Professora universitária

style="width: 25%; float: right;" data-filename="retriever">Eu já contei pra vocês o que foi minha mudança de Copacabana para Bagé? Não? Então, vou contar agora. É claro que já tinha ouvido falar em Bagé, primeiro porque já tinha lido O Analista de Bagé, do Luis Fernando Veríssimo, e visto a peça com o Pereio e a Cissa Guimarães; segundo, porque era a terra do General Médici. Mas uma coisa é ouvir falar, outra é morar.

O primeiro susto foi com a mudança. Eu estava com meu filho no carrinho, passeando na praia pra ele pegar o sol da manhã, quando vi meu cunhado esbaforido atrás de mim: "corre prá casa que o caminhão da mudança já está lá! Acabaram de ligar pra casa da Diva avisando!" E lá fui eu pra casa encarar a bagunça. Só quem já fez mudança sabe do que estou falando.

Entre caixas e fitas adesivas, as criaturas gaúchas, da Mudanças Primavera, de Bagé, foram avisando: vamos começar pela varanda! Um momento... De onde eles tiraram a ideia de que meu apartamento tem varanda?

- Acho que vocês estão enganados. Não temos varanda aqui!

- Ah não? E nós tamo onde? Na cozinha?

- Não, na sala de estar!

- Mas pra nós é varanda!

Engoli em seco e acabei concordando. Não estava em condições de discordar. Eram três contra um. Era um terremoto, terra arrasada. Em minutos vi tudo ser colocado em caixas, ser enrolado em plástico, um verdadeiro pandemônio.

Segundo round: cozinha. Abre armário, embala copo, panela, tudo o que eles veem pela frente vão colocando em caixas. Tudo misturado. E vem a pergunta:

- Dona, quer que coloque a cobertura de mesa separado?

- As toalhas estão lá dentro, respondi.

- E isso aqui é o quê? - perguntou segurando uns pratos.

- É um aparelho de jantar...

- Ah... E o de almoço tá onde?

Engoli em seco pela segunda vez. O pior é que ele tinha razão: se era aparelho de jantar, a gente almoçava com o quê? Sério... Estava tenso. Eu não sabia se coordenava as embalagens ou se cuidava do Bruno. Na verdade, eu parecia uma barata tonta com o filhote de três meses no colo. No fim, entreguei pra Deus e deixei a vida me levar...

Terceiro round: quarto do Bruno. Desmonta armário, berço, as roupinhas que eu guardava dobradinhas sendo lançadas nas caixas como bolas de basquete. E de repente, nova pergunta:

- Oi dona, esses carpim também vai?

Eu sabia lá o que era carpim? Seria capim? Além de varanda tinha jardim no apartamento? Era um mundo paralelo? Quediabéisso, meus sais?!

- Oi, dona, os carpim vai ou não vai?

Eu me enchi de coragem e perguntei o que era carpim e descobri: carpim, em Bagé, é meia! MEIA! Disse que sim e lá se foram as meias para as caixas.

Quarto round: meu quarto.

- Dona, os bidê vai?

- Claro que não. Está chumbado, não tem como tirar.

Tiraram tudo do meu quarto, quer dizer, tudo não: as mesinhas de cabeceira não tinham ido para o caminhão.

- Moço, vocês não levaram as mesinhas do quarto.

- Mas bah! A senhora é que disse que tava chumbado no chão!

Nesse momento, descobri que eu ia ter muito mais problemas em Bagé do que supunha a minha vã filosofia...


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